Vygotsky


Lev Semenovich Vygotsky nasceu a 17 de novembro de 1896 em Orsha, uma pequena cidade provinciana, na Bielo-Rússia. Sua família, de origem judaica, propiciava um ambiente bastante desafiador em termos intelectuais e estável no que diz respeito ao aspecto econômico. Seu pai, pessoa culta, trabalhava num banco e numa companhia de seguros. Sua mãe, apesar de ter dedicado grande parte de sua vida à criação dos filhos, era professora formada. Vygotsky cresceu e viveu por um longo período em Gomel, também na Bielo-Rússia, na companhia de seus pais e de seus sete irmãos. Casou-se aos 28 anos, com Roza Smekhova, com quem teve duas filhas. Faleceu em Moscou, em 11 de junho de 1934, vítima de tuberculose, doença com que conviveu durante 14 anos.
Sua educação, até os 15 anos, processou-se totalmente em casa, através de tutores particulares. Desde cedo mostrou ser um estudante dedicado e ávido por informações. Gostava de literatura e assuntos relacionados às artes em geral. Frequentava a biblioteca que tinha em sua casa e a biblioteca pública, estudava sozinho e com seus amigos.
É bem provável que sua precoce curiosidade por temas de diferentes campos do conhecimento tenha sido provocada, no inicio, pelo acesso que tinha, no seu contexto familiar, a diversos tipos de informações. Outro traço marcante na formação de Vygotsky, e que alimentou seu gosto pela leitura, foi o aprendizado de diferentes línguas, o que permitiu que entrasse em contato com materiais de diversas procedências. Assim, mesmo tendo viajado apenas uma vez para o exterior, tinha acesso a informações do restante do mundo, pois lia, desde muito cedo, mais do que as traduções russas lhe permitiam.
Aos 17 anos, completou o curso secundário, num colégio privado em Gomel. Nesta ocasião recebeu medalha de ouro pelo seu desempenho. De 1914 a 1917 estudou direito e literatura, na Universidade de Moscou, época em que começou sua pesquisa literária mais sistemática. O trabalho que apresentou no término desse curso foi um estudo do Hamlet, de Shakespeare: “A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, que mais tarde, em 1925, deu origem ao livro Psychology of Art (Psicologia da Arte), que foi publicado na Rússia somente em 1965. Segundo Lúria, já nesse trabalho e em outros ensaios literários posteriores, é possível identificar sua grande competência para realizar análises psicológicas, fruto da linguagem que recebeu dos estudiosos soviéticos interessados no efeito da linguagem sobre os processos de pensamento (LURIA, 1988, p. 22).
É curioso observar que no mesmo período em que cursava a Universidade de Moscou, também participava, na Universidade Popular de Shanyavskii, de cursos de História e Filosofia (não recebeu, no entanto, nenhum título acadêmico por essas atividades). Anos mais tarde, o crescente interesse em compreender o desenvolvimento psicológico do ser humano, e, particularmente, as anormalidades físicas e mentais, levou Vygotsky a fazer cursos na Faculdade de Medicina, primeiramente em Moscou e depois em Kharkov.
Assim, seu percurso acadêmico foi marcado pela interdisciplinaridade já que transitou por diversos assuntos, desde artes, literatura, linguística, antropologia, cultura, ciências sociais, psicologia, filosofia e, posteriormente, até medicina. O mesmo ocorreu em sua atuação profissional, que foi eclética e intensa e esteve sempre associada ao trabalho intelectual.
Vygotsky começou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de 1917. Em Gomel, no período de 1971 a 1923, além de escrever críticas literárias, lecionou e proferiu palestras sobre temas ligados a literatura, ciência e psicologia em várias instituições. Já nesta época preocupava-se também com questões ligadas à pedagogia. Em 1922, por exemplo, publicou um estudo sobre os métodos de ensino da literatura nas escolas secundárias. Nessa fase, dirigia a seção de teatro do Departamento de Educação de Gomel. Na mesma cidade fundou ainda uma editora, uma revista literária e um laboratório de psicologia no Instituto de Treinamento de Professores, local onde ministrava cursos de psicologia.
O interesse de Vygotsky pela psicologia acadêmica começou a se delinear a partir de seu contato, no trabalho de formação de professores, com os problemas de crianças com defeitos congênitos, tais como: cegueira, retardo mental severo, afasia etc. Essa experiência o estimulou a encontrar alternativas que pudessem ajudar o desenvolvimento de crianças portadoras dessas deficiências. Na verdade, seu estudo sobre a deficiência (tema a que se dedicou durante vários anos) tinha, não somente o objetivo de contribuir na reabilitação das crianças, mas também significava uma excelente oportunidade de compreensão dos processos mentais humanos, assunto que viria a ser o centro de seu projeto de pesquisa.
O ano de 1924 significou um grande marco na sua carreira intelectual e profissional. A partir dessa data se dedicou mais sistematicamente à psicologia. No início deste ano realizou uma palestra no II Congresso de Psicologia em Leningrado, que na época era considerado um dos principais encontros dos cientistas ligados à psicologia. Na sua exposição, o jovem de então 28 anos causou surpresa e admiração devido à complexidade do tema que abordou, à qualidade de sua exposição e à proposição de ideias revolucionárias sobre o estudo do comportamento consciente humano. Graças a esta comunicação Vygotsky foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou.
Assim, no outono daquele ano ele aceita o desafio e muda-se para Moscou, onde inicialmente trabalhou no Instituto de Psicologia e, tempos depois, no Instituto de Estudos das Deficiências, por ele fundado. Simultaneamente, devido as suas investigações sobre os deficientes físicos e mentais, chegou a dirigir um Departamento de Educação, em Narcompros, voltado para este público. Naquele mesmo ano escreveu o trabalho: Problemas da Educação de Crianças cegas, surdo-mudas e retardadas, que apresentava algumas de suas reflexões sobre o assunto. Ministrou ainda cursos de Psicologia e Pedagogia em diversas instituições de Moscou e Leningrado e, anos depois, na Ucrânia.
De 1924 até o ano de sua morte, apesar da doença e das frequentes hospitalizações, Vygotsky demonstrou um ritmo de produção intelectual excepcional. Ao longo desses anos, além de amadurecer seu programa de pesquisa, continuou lecionando, lendo, escrevendo e desenvolvendo importantes investigações. Liderou também um grupo de jovens cientistas, pesquisadores da psicologia e das anormalidades físicas e mentais.
O projeto principal de seu trabalho consistia na tentativa de estudar os processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão filogenética, histórico-social e ontogenética. Deteve-se no estudo dos mecanismos psicológicos mais sofisticados (as chamadas funções psicológicas superiores), típicos da espécie humana: o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo, capacidade de planejamento, etc.
Seguindo as premissas do método dialético, procurou identificar as mudanças qualitativas do comportamento que ocorrem ao longo do desenvolvimento humano e sua relação com o contexto social. Coerente com este propósito, Vygotsky fez no final da década de 20 e no início dos anos 30, relevantes reflexões sobre a questão da educação e de seu papel no desenvolvimento humano.
Nessa fase se dedicou mais especialmente ao estudo da aprendizagem e desenvolvimento infantil, trabalhando numa área que, segundo ele, era mais abrangente que a psicologia: a “chamada ‘pedologia’ (ciência da criança, que integra os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos). Ele considerava essa disciplina como sendo a ciência básica do desenvolvimento humano, uma síntese das diferentes disciplinas que estudam a criança” (OLIVEIRA, 1993, p.20).
É importante ressaltar que a preocupação principal de Vygotsky não era a de elaborar uma teoria do desenvolvimento infantil. Ele recorre à infância como forma de poder explicar o comportamento humano no geral, justificando que a necessidade do estudo da criança reside no fato de ela estar no centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos e da fala humana.
Apesar de não ter alcançado plenamente suas complexas metas, a obra de Vygotsky tem particular importância na medida em que “ele foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa” (COLE & SCRIBNER, 1984, p. 7). Um dos pontos centrais de sua teoria é que as funções psicológicas superiores são de origem sociocultural e emergem de processos psicológicos elementares, de origem biológica (estruturas orgânicas). Ou seja, segundo ele, a complexidade da estrutura humana deriva do processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas relações entre história individual e social.

Obra: A formação social da mente


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Referência:
REGO, T.C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

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